Contar a história e as histórias de Mário Américo é enxergar o futebol sobre outra ótica, do ponto de vista de quem está ali não por que o futebol é um esporte bonito, articulado, vigoroso e rentável, mas está ali por que o futebol também machuca. Faz doer. Mário participou de sete copas do mundo, trabalhou no Madureira, no Vasco da Gama e com seu jeito carismático e sua credibilidade se tornou uma referência no futebol, um dos seus mais queridos personagens.

Mário Américo é mineiro da cidade de Monte Santo.
Nasceu no dia 28 de julho de 1912. Morava em uma fazenda, mas resolveu fugir para o Rio de Janeiro para morar com um primo. A “aventura” tinha a “nobre” finalidade de melhorar de vida. Só que seus planos acabaram não dando certo e foi então que ele empreendeu nova “fuga”, dessa vez para a cidade de São Paulo onde também morava um outro primo. Até descobrir sua verdadeira vocação, Mário fez de tudo um pouco e passou por poucas e boas. Na capital paulista, Mário Américo começou a trabalhar como auxiliar de mecânico, passou a baterista de uma orquestra até chegar a…lutador de boxe!!! Isso mesmo, Mário Américo também foi boxeador, mas quis o destino que seu futuro de massagista fosse traçado definitivamente em uma surra tomada no ano de 1937, num ringue carioca. O médico que o atendeu no ginásio disse a ele que, apesar de toda a sua valentia num ringue, uma hora acabaria morrendo. Foi aí que o surgiu o convite do médico para que ele procurasse o pessoal do Madureira, pois o massagista do clube estava se aposentando. Começou assim a longa e vitoriosa trajetória de Mário Américo como massagista. Ficou sete anos por lá, até chegar ao Vasco da Gama onde trabalhou com uma equipe histórica: o expresso da vitória, no final da década de 1940. No Vasco, Mário Américo foi campeão nos anos de 1945, 1947 e 1949/1950

Na seleção brasileira, Mário Américo começou em 1949, como auxiliar de Johnson, que estava se aposentando, e do posto de “titular” só saiu 25 anos depois, em 1974.

Mário Américo também se consagrou como massagista em São Paulo, quando deixou o Vasco e veio para emprestar suas “mãos milagrosas” para a poderosa equipe da Portuguesa de Desportos, na década de 1950.

Depois de ter sido campeão mundial com a seleção brasileira, na Copa de 1958, foi no mundial seguinte, em 1962, no Chile, que Mário Américo, protagonizou uma cena que entrou para o “folclore” do futebol brasileiro e, porque não, mundial. A pedido do dirigente e comandante da seleção brasileira, fora dos gramados, Paulo Machado de Carvalho, ele roubou a bola da decisão que deu o bicampeonato mundial ao Brasil.

Durante anos correu a lenda que a história não seria verdadeira, mas ela (a bola) está lá, no museu da Federação Paulista de Futebol para ser vista por quem quiser. Dirigentes brasileiros e o próprio Mário Américo tiveram de se explicar pelo roubo aos comandantes da Fifa, que queriam a bola de volta. Espertamente, Mário Américo devolveu a bola, quer dizer, “uma” bola, que não era a verdadeira que se encontra no museu paulistano.

Após encerrar a carreira, Mário Américo entrou para a política e acabou eleito vereador por São Paulo, em 1976, com 53 mil votos, o que provava a popularidade obtida nos gramados do mundo inteiro.  Entre o encerramento da carreira e a eleição como vereador, Mário Américo chegou a ter uma clínica de massagens, no bairro do Imirim, zona norte de São Paulo.

Mário Américo ganhou no futebol o apelido de pombo-correio por sua incrível rapidez em transmitir mensagens dos técnicos aos jogadores em campo. Morreu em São Paulo, no dia 9 de abril de 1990.

Abaixo, a crônica de Nelson Rodrigues, publicada na revista Manchete, no dia 8 de março de 1956:

O riso

“Eis a verdade: – o que sustenta, o que nutre, o que dinamiza o futebol é a vaidade. Vejamos o juiz. É um crucificado vitalício. Seja ele o próprio Abrahão Lincoln, o próprio Robespierre, e a massa ignara e ululante o chamará de gatuno. Dirá alguém que ele percebe um bom salário. Nem assim, nem assim. Não dinheiro que o compense e redima, nenhum ordenado que o lave, que o purifique. E, no entanto, ele não renuncia às suas funções nem por um decreto. Pergunto: – por que esta obstinação? Amigos, a vaidade o encouraça, a vaidade o torna inexpugnável, a vaidade o ensurdece para as 200 mil bocas que urram: – “Ladrão! Ladrão! Ladrão!”.

O mesmo acontece com o craque, com o paredro, com o técnico. O futebol os projeta e pendura nas manchetes, e esta publicidade histérica constitui uma delícia suprema. E ninguém é modesto, ninguém. Qualquer jogador, ou qualquer dirigente, ou qualquer técnico tem a torva e atra vaidade de uma primadona gagá, cheia de pelancas e de varizes. Eu disse que ninguém é modesto no futebol. Em tempo retifico: – há, sim, uma única e escassa figura, que, no meio do cabotinismo frenético e geral, constitui uma exceção franciscana. Refiro-me ao esquecido, ao desprezado, ao doce massagista.

A imprensa e o rádio falam de tudo, numa sádica e minuciosa cobertura. Jamais, porém, um locutor, um repórter lembrou-se de mencionar a atuação de um massagista. Ele não merece, ao menos, uma citação desprimorosa. Um bandeirinha consegue ser vaiado. Não o massagista, que não inspira nada: – nem amor, nem ódio. Dir-se-ia que o gandula é mais importante. E, no entanto, apesar da humildade sufocante de suas funções, o massagista pode ser uma dessas figuras capitais, que resolvem o destino das batalhas.

Para não ir muito longe, citarei o exemplo de Mário Américo. Tudo na sua figura de ex-boxeur justifica uma simpatia universal, a começar pela cabeça minuciosamente raspada, até o último vestígio de cabelo. Esse coco lustroso e negro já o distingue dos demais, em violento destaque. Pois bem: – simples e humilde massagista, Mário Américo influi mais nos fatos do campo, na evolução das partidas, que muito jogador, muito paredro, muito técnico. E não é com massagens platônicas, não é fazendo seu métier, que o homem tem decidido vários jogos. Mário Américo age pelo riso, apenas pelo riso.

Sim, amigos: – quando ele se abre, quando se escancara, quando se alarga no seu riso incoercível, não há força que o contenha e que lhe resista. Mário Américo sério é um pobre ser, duma esplendorosa nulidade como todos nós. Mas a gargalhada o transfigura, dá-lhe uma nova dimensão racial, uma grandeza inesperada e terrível, o equipara a certos negros da ficção e da vida: – Paul Robeson, José do Patrocínio, Otelo, imperador Jones, etc.

Sobretudo nas pelejas internacionais, tudo, nesse homem de cor, é um riso só: – riem os lábios, as gengivas, os dentes, as ventas e até a careca retina. Foi o que aconteceu no Brasil x Argentina (5/2/1956, estádio Centenário, Brasil 1 x 0), em Montevidéu. Luizinho deu um corte num adversário de forma tão espetacular que Mário Américo não resistiu: – nunca o seu riso foi tão largo, nunca o seu riso teve, como naquele momento, uma dilatação de parto. E aquela cara que ria alucinou os nossos adversários. Como vencer uma gargalhada cósmica? Se pudessem, os argentinos teriam atravessado aquele riso com uma lança, como nas gravuras de São Jorge”.

E para quem quiser conhecer mais sobre a vida de Mário Américo existe um livro sobre sua vida, pena que encontrado somente em sebos. Chama-se “Memórias de Mário Américo – O massagista dos Reis”, de Henrique Mateucci.